sábado, 20 de fevereiro de 2010

Palavras

Ela nunca soube a quem estavam direcionadas aquelas palavras.
Tampouco sabia se havia alguém em especial.
Talvez escrevesse sim para alguém.
Talvez buscasse um alguém para ler o que escrevias.
Não sabia.
Assim como também não sabia para quem foram escritos aqueles últimos versos.
Sabia apenas que por um instante desejou ter aquele nome.
Só para olhar novamente nos olhos dele e sentir mais uma vez aquele abraço apertado, que a fazia esquecer de tudo.

Mas de que importava como ela se chamava, ou como ele a chamava.
Aquelas palavras eram válidas para qualquer uma que as lessem.
Fossem Camilas, Anas, Amandas, Marinas, Brunas, Paulas, Renatas...

De que importava o nome dela.
Importante mesmo era ser distinguida dentre todos estes e muitos outros nomes.
Que marcou, isto é fato, sim.
Mas será que valeu...

Talvez.
É, se for possível distingui-la, ai sim.
Se for possível reconhecê-la, ai sim, ela poderá dizer que valeu.

As marcas, estas são visíveis.
As lembranças, não se podem apagar.
O cheiro, permanece vivo.
A voz, ainda encanta, mesmo que em pensamento.
O sorriso, esse desmonta qualquer tentativa de resistência.

Mas se foi verdadeiro ou brincadeira, só uma pessoa poderá responder.
Se houver resposta, não foi só um sonho.
Se não houver resposta, não passou de ilusão.

Airtiane Rufino

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Quarta-feira de Cinzas

Toda Quarta-feira de Cinzas eu releio esta crônica, ela diz exatamente aquilo que eu pensei dizer um dia, talvez ainda pense...

Sabe quando você lê algo e pensa "Eu queria ter escrito isso"?
Foi o que eu pensei a primeira vez que li esta crônica e ainda penso cada vez que leio novamente.

Como fazia tempo que eu não aparecia por aqui e não tenho nada em mãos no momento, peço licença a Airton Monte para preencher esse espaço com suas palavras e pensamentos...

Quarta- Feira de Cinzas é a mesma toada fúnebre de sempre. Pela cidade inteira ressuma um enjoativo bodum de ressaca, muito embora alguns foliões retardatários insistam em prolongar forçosamente o carnaval, gastando as últimas e já precárias energias, como se estivessem, todos, no velório da alegria. Na quarta-feira é que o corpo, exaurido pelos excessos, paga os pecados cometidos sob a égide de Momo e são feitas as mesmas falsas promessas de que para o ano tudo será diferente e as brincadeiras serão verdadeiramente mais sadias, menos desgastantes.

Eu mesmo, que de folião não tenho nada, estou me sentindo um tanto quanto ressaqueado e com um gosto de fundo de gaiola na boca ressequida. Penso também que andei exagerando nas libações a Baco nesses dias de desvairio momino, apesar de não haver saído de casa nem para olhar a calçada, botando em dia o sono atrasado. Afinal, fiz uma boêmia caseira, plantado diante da televisão, olhando as escolas de samba desfilarem suas belezas tanto carnais como alegóricas, lendo os livros cuja leitura se encontrava num sesquipedal atraso devido à falta de tempo.


Os amigos todos viajaram para a serra ou para a praia, querendo usufruir, com todo o direito, os seus carnavais particulares. Bem sei que mais tarde, começarão a chegar os telefonemas de praxe, para checarem quem ainda continua vivo e para marcar os próximos encontros de fim de semana. Ontem fez um frio glacial em Fortaleza, que parecia quer congelar tudo. Vi-me forçado a vestir um moleton e duas camisetas grossas numa tentativa preventiva de proteger os meus asmáticos pulmões de alguma visita inesperada da velha chiadeira, pois cautela e caldo de galinha mal não fazem a seu ninguém.

Já é noite de quarta-feira de cinzas, acabou a folia generalizada e amanhã tudo volta ao normal como se nada houvesse acontecido. O Brasil começar a funcionar de novo e as ilusões e a alegria desenfreada voltam a ser guardadas no fundo do baú, inclusive os passageiros e inconseqüentes amores de carnaval. Voltaremos todos à luta do dia a dia, com a crueza da realidade se abatendo sobre nós, mas já de olho nos feriados da semana santa. Brasileiro é assim, não tem quem dê jeito. É quarta-feira de cinzas e a cidade parece anestesiada, inerte, coberta pela mortalha do cansaço e da ressaca. É como se a segunda-feira se instalasse em cada coração.

Cinzas sobre a cidade - Airton Monte